Quando eu era adolescente, assim como muitos adolescentes,
sofri bastante bullying na escola. Tinha
todo tipo de motivo bobo pra isso, mas um dos motivos pelo qual eu mais sofria,
era por ter cabelo crespo e armado. Eu ouvia coisas como: branca do cabelo
ruim, cabelo de Barbie estragada,
vassoura, etc. Como minha mãe é cabeleireira, eram inúmeros os “Mas
porque sua mãe não cuida do seu cabelo?”, “Porque você não alisa seu cabelo?”, “Você
não tem vergonha de ter esse cabelo?”, “Porque você não usa chapinha?”, “Você
tem preguiça de fazer uma escova?”. Tudo isso entrou bastante na minha cabeça,
desenvolvi por um período Tricotilomania ( doença ligada ao TOC onde a pessoa
arranca os fios de cabelo ou pelos do corpo, podendo os engolir ou não), mas na
tentativa que ao arrancar os fios, eles nascessem “melhores”, lisos. Depois,
passei a fazer progressiva, relaxamento e várias químicas que destruíram meu
cabelo. Resumidamente, cresci, me aceitei e hoje acho meu cabelo cheio,
encrespado, sarará , a coisa mais linda que tem em mim.
O fato de eu ter sofrido esse tipo de preconceito por ter o
cabelo mais ligado ao afro que ao europeu já mostra como nossa sociedade
discrimina o que vem do negro: Meus caros, eu sou branca! Mas bastou eu ter um
traço ligado a matriz africana para que eu sofresse toda essa pressão. Não é
porque meu cabelo era feio, mal cuidado, sujo, mas simplesmente porque ele era
crespo, e cabelo crespo é cabelo “ruim”.
Jamais direi que sofri racismo, se se o disser, foi unicamente pelo fato
de algo em mim denunciar minha ascendência africana.
Todos os dias em meu trabalho, me deparo com expressões de
crianças e adolescentes, por vezes até adultos, que menosprezam as religiões
que erroneamente chamam de “macumba”. Todos os dias tento dialogar sobre como
essas religiões foram massacradas e marginalizadas por serem de um povo que
veio de uma terra cheia de magia, grandiosidade e uma grande variedade de
deuses e que nenhum deles faz mal para ninguém. Todos os dias tento mostrar
como tudo que é ligado ao povo negro é visto como mal, sujo, impuro.
É extremamente recorrente eu tentar mostrar por exemplos
simples a eles como o negro não tem representatividade em nossa sociedade: Vendo
as novelas da televisão, quantas protagonistas negras você já viu? Quantos
negros bancários, professores, donos de mansões, você já viu? E quando o negro
aparece, onde ele está? Qual a cor da pele dos empregados, dos favelados, dos
ladrões que são representados pela mídia? . Quantas recepcionistas negras, com
cabelos naturais e soltos, você vê em portas de grandes empresas? E quantas
faxineiras brancas você encontra no seu dia-a-dia? Você cresceu ouvindo que seu
cabelo é ruim, que ele precisa ser “domado”, como se você fosse um animal? Você
cresceu ouvindo que seu nariz é largo, é feio, é “de preto”? . Já te negaram
emprego pela cor da sua pele? Já questionaram sua honestidade pela cor da sua
pele? Já te ensinaram a odiar a cor da sua pele? Já te disseram que você é um
branco de alma negra? Que tudo bem você ser branco, porque Deus olha o coração?
Que você é uma “branca muito linda”? A polícia te para na rua pelo fato de você
ser branco? Na farmácia existem muitos produtos para cachear e encrespar os
cabelos? Ensinam formas da maquiagem engrossar o nariz? Existem cremes para
escurecer a pele?
Quando dizem para mim que existe meritocracia e que hoje em
dia, brancos e negros tem as mesmas oportunidades, questiono-os: Quantos
professores negros você tem? Os que já estão na universidade, quantos alunos
negros há em sua sala de aula? Isso
demonstra que negros não tem competência para os estudos? Ou será que não temos
as mesmas oportunidades?
Acho que nem precisaríamos entrar nessas questões ainda tão
atuais, se simplesmente pensássemos sobre o óbvio: Escravizaram seu povo
durante séculos? Te obrigaram a sair de sua terra e te venderam como bois? Estupraram
as mulheres da sua tribo? Te negaram o direito ao estudo, ao salário, a uma
vida humana? Venderam seus filhos para serem escravizados?
Quando dizem que não precisamos de um dia pra consciência
negra, mas para a consciência humana, me pergunto se estas pessoas tiveram
alguma aula de história ao longo de suas vidas. Em toda a nossa história,
humanos escravizaram humanos, humilharam humanos, estupraram humanos,
torturaram humanos, mas os humanos feitores desses atos acham muito fácil
esquecer o que já passou e que repercute até os dias atuais e querem um dia “para
todos, pois todos somos iguais”. É fácil dizer que é igual porque tem uma amiga
negra, um parente negro, difícil é quando
você fecha a porta do seu carro ou troca de rua quando vê um negro se
aproximar, quando diz que a meritocracia é a lei do mais forte sabendo que
negros tem um percentual baixíssimo em grandes postos de trabalho e acadêmicos.
É fácil achar que somos todos iguais quando você já nasceu com todos os
privilégios que te são garantidos pela
sociedade pelo simples fato de você ter nascido branco!
O Dia da consciência negra é muito mais que um dia para
colocarmos turbantes, sambarmos e falarmos que as mulatas são maravilhosas. Ele
é feito para um povo que foi massacrado fisicamente, religiosamente e
culturalmente durante séculos e que pouco a pouco, tenta se recuperar de anos
de danos vividos. A meu ver, apenas um
dia para isso é pouco, muito pouco. Milhares de medidas deveriam ser tomadas
para inserirmos cada vez mais na sociedade uma cultura que é tão marginalizada
pela mesma.
E não são os outros que vêem racismo em tudo, é você que
está tão inserido dentro dele, que passou a acha-lo normal. Mas ainda há tempo
para refletir , e o dia 20 de novembro é uma ótima data para isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sinta-se á vontade